top of page

Silêncios que falam: o que não se diz também conta

  • Foto do escritor: Daniela V Del Frari
    Daniela V Del Frari
  • 30 de jun.
  • 2 min de leitura

Vivemos em um tempo que valoriza a comunicação, a transparência, o dizer. Mas, na escuta psicanalítica, aprendemos que nem tudo que importa está dito. Há gestos que dizem mais do que palavras, há silêncios que carregam histórias, culpas, medos e afetos que não encontraram forma de se expressar. O silêncio, longe de ser vazio, é cheio de significados.


Na clínica, não é raro que alguém diga: “nunca me disseram nada, mas eu sabia”. Ou então: “ninguém falava sobre isso, mas o clima mudava”. O que não se diz deixa marcas. O não-dito atua, se inscreve no corpo, aparece nos sintomas, nos sonhos, nas escolhas repetidas. É por isso que a psicanálise escuta para além da palavra.


O silêncio como defesa


O silêncio pode ser uma forma de proteção. Quando algo é difícil demais de nomear — como um trauma, uma perda, um desejo proibido — a linguagem falha. O sujeito se cala não por falta de vontade, mas porque ainda não encontrou uma forma possível de dizer. Muitas vezes, o silêncio é uma tentativa inconsciente de manter algo afastado, fora do campo da consciência.


Mas o que é recalcado não desaparece. Ele retorna, deslocado, disfarçado, em pequenas falhas, em angústias sem nome, em repetições que o sujeito não entende por que vive. O silêncio, nesse sentido, é ativo. Ele pode funcionar como um muro, mas também como um convite à escuta mais atenta.


O que se transmite sem ser dito


Nas famílias, certos assuntos são cercados por silêncio. Segredos, culpas, dores não elaboradas costumam ser transmitidos por gestos, por ausências, por regras não ditas. Uma criança percebe o que não pode perguntar, o que não deve dizer, onde está o ponto sensível da casa — mesmo que ninguém nunca tenha falado sobre isso.


Esse tipo de silêncio molda o sujeito. Ele aprende a calar também, a não perguntar, a não olhar para aquilo que incomoda. E, muitas vezes, vai repetir esse funcionamento nas suas próprias relações, mesmo sem saber de onde isso vem. Por isso, o trabalho analítico não é só sobre o que se diz, mas sobre aquilo que ainda não pôde ser dito.


Dar palavras ao que estava calado


Há silêncios que precisam ser respeitados. Nem tudo pode ou deve ser nomeado às pressas. Mas também há silêncios que precisam ser atravessados, elaborados, transformados em palavras — não para explicar tudo, mas para que o sujeito possa se apropriar de sua própria história.


A análise oferece um espaço onde esse movimento é possível. Ao falar livremente, sem censura, o sujeito vai, pouco a pouco, encontrando palavras para o que antes era apenas sensação, confusão, angústia. E isso pode ter efeitos potentes: dar linguagem ao sofrimento é um passo importante para poder lidar com ele.


Conclusão


O silêncio, na vida e na análise, não é ausência de sentido. Ele é, muitas vezes, a presença de algo que ainda não pôde ser nomeado. Escutá-lo exige delicadeza, atenção e, sobretudo, a disposição de não preencher o vazio com explicações rápidas.


O que não se diz também fala. E talvez seja justamente aí, nesse ponto de silêncio, que algo essencial sobre o sujeito se revela.

 
 
 

Comentários


bottom of page