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Quando o cuidado sufoca: entre amor e controle

  • Foto do escritor: Daniela V Del Frari
    Daniela V Del Frari
  • 23 de jun.
  • 3 min de leitura

Cuidar é, sem dúvida, uma forma de amar. Desde os primeiros momentos da vida, é o cuidado do outro que nos permite sobreviver, nos organizar e nos constituir como sujeitos. No entanto, há situações em que esse cuidado deixa de acolher e passa a aprisionar. Quando o gesto de amar vem acompanhado de controle excessivo, invasão ou imposição, o que era proteção pode se tornar sufocante.


A psicanálise nos ajuda a pensar que o cuidado verdadeiro não se mede apenas pelas ações externas, mas também pela escuta do desejo do outro. E, muitas vezes, o amor — por mais sincero que seja — está atravessado por expectativas, projeções e medos que limitam o outro em nome de sua proteção.


O amor que quer garantir o futuro do outro


Em muitas famílias, vemos pais que tentam evitar qualquer sofrimento nos filhos. Antecipam escolhas, tomam decisões, definem o que é melhor, como se o amor significasse eliminar qualquer possibilidade de erro ou dor. Mas o que parece ser um gesto amoroso pode impedir o outro de viver sua própria experiência. Afinal, só se aprende a caminhar tropeçando.


O excesso de cuidado, nesse sentido, se transforma em uma maneira de controlar. E o controle — mesmo que venha disfarçado de zelo — desautoriza a autonomia do outro, trata-o como incapaz, dependente, menor. A pessoa cuidada passa a se sentir culpada por querer espaço, desejante por aquilo que é proibido, e muitas vezes vive conflitos internos que não consegue nomear.


Entre o amor que cuida e o amor que sufoca


Freud já nos alertava que nem tudo que chamamos de amor é isento de ambivalência. O amor pode conter desejo de posse, medo da perda, ciúmes e, sim, controle. E quanto mais inconscientes esses sentimentos estiverem, mais facilmente o sujeito pode se convencer de que está apenas cuidando, quando na verdade está tentando moldar o outro segundo seus próprios critérios.


O problema não está em cuidar, mas em não reconhecer que o outro é um sujeito com desejos próprios — inclusive o desejo de se afastar, de errar, de escolher diferente. O amor maduro exige a difícil tarefa de suportar que o outro seja um pouco estranho, que nem tudo será previsível, que há algo que escapa ao nosso alcance.


O sofrimento de quem cuida demais — e de quem é cuidado demais


Esse tipo de relação pode gerar sofrimento em ambas as partes. Quem cuida demais frequentemente se sente sobrecarregado, não reconhecido, e vive o sofrimento de ver o outro se distanciar. Já quem é cuidado demais pode se sentir culpado por querer liberdade, envergonhado por desejar algo diferente, e sem saber como nomear esse desconforto que o cuidado do outro provoca.


É comum, na clínica, encontrar sujeitos que dizem: “Minha mãe só queria o meu bem, mas eu me sentia preso”, ou “não posso reclamar, tive tudo”. Essas frases carregam um conflito: como criticar o excesso de cuidado sem parecer ingrato? Como dar nome ao incômodo que vem justamente de um gesto que, teoricamente, deveria ser amoroso?


Conclusão


Cuidar não é sinônimo de controlar. Amar alguém não significa tomar decisões por ele, impedir sua dor ou traçar seu caminho. Pelo contrário, amar é, muitas vezes, confiar na capacidade do outro de enfrentar seus próprios conflitos. É dar espaço, escutar, reconhecer a diferença.


Na psicanálise, aprendemos que o amor verdadeiro não tenta moldar o outro à nossa imagem, mas o acolhe em sua alteridade. E isso exige coragem: a de lidar com o que não se domina, de aceitar que o outro pode nos frustrar, e ainda assim, continuar presente.

 
 
 

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